quarta-feira, 2 de março de 2011

Todo Mundo e Ninguém




Um poderoso Político, chamado Todo Mundo e um homem pobre cujo nome é Ninguém encontram-se e põem-se a conversar sobre o que desejam neste mundo. Em torno desta conversa, dois demônios (Belzebu e Dinato) tecem comentários espirituosos.

Entra Todo o Mundo, rico político, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz:

Ninguém: Que andas tu aí buscando?

Todo mundo: Mil cousas ando a buscar:

E isso é fácil achar,

Não preciso insistir

Pra conseguir é só falar

Prometer já nasci sabendo

Muitos votos vou conquistar

Ninguém: Como hás nome cavaleiro?

Todo Mundo: Eu hei nome Todo Mundo

E meu tempo todo inteiro

Sempre a roubar dinheiro

E sempre nisto me fundo

Ninguém: Eu hei nome ninguém

E busco consciência

Belzebu: Está falado!

Escreve aí Dinato!

Que Ninguém busca consciência

Todo mundo dinheiro

E o povo… foi enganado

Ninguém: E agora, que andavas a fazer?

Todo Mundo: Busco trouxas pra votar.

Ninguém: E eu alimentos pra comer.

Belzebu: Dinato, não deixe de registrar

Esse diálogo não pode perder

Todo mundo busca votos

E ninguém quer sobreviver

Ninguém: Busca algo mais?

Todo mundo: Busco honra mui grande

Ninguém: E eu, humildade.

Belzebu: Escreva aí!

Dinato: Que escreverei?

Belzebu: Escreva de mui bom grado

Que Ninguém quer humildade

E todo mundo ser honrado

Ninguém: Buscas algo mais, amigo meu?

Todo mundo: Busco sossego em minha vida.

Ninguém: De vida pouco sei

Mas a fome, a pobreza

Fez da morte o meu rei

Belzebu: Dinato, deixe de ser preguiçoso

Escreva isso rápido!

Dinato: O que meu senhor?

Belzebu: o povo está desenganado

Futuro não há

O político quer sossego

Enquanto o pobre assalariado

O pão morre pra ganha…

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(Adaptado da Obra de Gil Vicente Auto da Lusitânia de 1532)