sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Sexualidade com sabor de brincadeira


Atitudes como a masturbação infantil, trocas de afetos com o amiguinho ou amiguinha do mesmo sexo e, até mesmo, gosto por brinquedos que comumente dizemos ser do sexo oposto são atitudes muitas vezes incompreensíveis e mal vistas pelo mundo adulto, já castigado pelo universo de mitos e normas sociais

Por Geofrei Dias

Que pai nunca se deparou com uma questão desafiadora de uma criança como, por exemplo, “como eu nasci”, ou então, “como o bebê entrou na barriga da mamãe”. Muitas vezes, pais despreparados são pegos de surpresa pela pergunta ‘atrevida’ de seus filhos.

A sexualidade infantil é uma questão difícil de ser trabalhada e, muitas vezes, a desinformação dos pais e dos educadores pode acarretar em problemas psicossociais para as crianças.

Atitudes como a masturbação infantil, trocas de afetos com o amiguinho ou amiguinha do mesmo sexo e, até mesmo, gosto por brinquedos que comumente dizemos ser do sexo oposto são atitudes muitas vezes incompreensíveis e mal vistas pelo mundo adulto, já castigado pelo universo de mitos e normas sociais. A psicóloga Letícia Figueiró Anami lembra que a educação dada à criança está completamente relacionada ao desenvolvimento sexual.

“O desenvolvimento da sexualidade da criança e o entender dela sobre o mundo está diretamente relacionada com a educação que ela vai ter”, lembra.

Figueiró ainda esclarece que o reconhecimento enquanto menino ou menina surge apenas com três ou quatro anos de idade. O auto-reconhecimento faz parte de um entendimento que a criança tem das regras sociais. A identificação vem através das ‘pistas’ que ela tem. No imaginário da criança surgem questões como, “se eu tenho cabelo comprido, sou uma menina”, ou então, “menina gosta de cor-de-rosa, então eu vou usar roupas assim”, tudo isso depende, é claro, do ambiente em que a criança vive.

“Padrões rígidos no ambiente familiar podem influenciar na identificação da criança. Por exemplo, se a criança aprende que menina não brinca de carrinho, ela terá também essa ideia, mas isso não significa que ela se reconheça enquanto menina ou não”, alerta a psicóloga. “Existe uma diferença grande entre orientação sexual e identidade de gênero. A pessoa pode se gostar enquanto mulher, se reconhecer enquanto mulher e ter uma orientação sexual de gostar de alguém do mesmo sexo”.

Letícia Figueiró explica que quando crianças adotam brinquedos estereotipados como sendo do sexo oposto, ou então, aquelas que apresentam “trejeitos” quando pequena, não significa que elas sejam homossexuais. Segundo a psicóloga, a homossexualidade, assim como a heterossexualidade ou a bissexualidade, é multideterminada, ou seja, diversos fatores concorrem para a determinação da orientação sexual, definida somente na adolescência.

“Antes da adolescência existe a afeição, a afetividade. Existe um carinho, e não um desejo sexual. Por isso não podemos dizer que a orientação sexual se define na infância”, esclarece. “Quando uma criança apresenta comportamentos diferenciados do socialmente estabelecido, não podemos descriminar essa criança. Enquanto pai, você deve acolher o comportamento dela. Se você proibir, ou reprimir o comportamento, se ela for homossexual, a repressão não mudará a orientação sexual dela”.

SEXUALIDADE NA ESCOLA

Não cabe somente aos pais a responsabilidade pelo desenvolvimento da sexualidade nas crianças. Professores, junto a eles, também, exercem um papel de extrema importância no desenvolvimento sexual das crianças.

Diferente dos pais, que tem o direito de passar valores às crianças, os professores têm o papel de esclarecer sem repassar suas opções pessoais. Preconceitos e valores não pertencem ao universo educacional deste profissional. Letícia Figueiró lembra alguns exemplos e como deve ser a reação dos educadores. Segundo a psicóloga, diante da seguinte pergunta formulada por uma criança, “homem pode beijar homem?”, a resposta deve explicar que existem pessoas que namoram outras do mesmo sexo, mesmo que o profissional considere errada tal atitude.

A pedagoga Terezinha de Paula Machado é responsável pelo conteúdo ministrado às crianças do CEI (Centro de Educação Infantil) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Segundo ela, a sexualidade está presente na educação infantil muito fortemente. Neste período, as crianças descobrem a si próprios e, também, ao outro.

“Os professores sempre devem estar mediando a descoberta desse outro, para que isso não venha a causar outras questões mais complicadas de se lidar”, lembra Terezinha. “Existem algumas interferências que o professor deve mediar. Algo, por exemplo, que ele acabe vendo pela mídia. Aos pais nós passamos a mesma orientação. Eles devem ajudar que a criança descubra a sexualidade da maneira mais natural possível”.

Terezinha lembra a importância de professores, enquanto educadores, se atualizarem através de cursos que preparem para lidar com essa temática diante dos alunos. “Enquanto houver crianças, haverá sexualidade”, afirma. “O curso é, também, uma forma de nós trabalharmos enquanto adultos. Nos cursos, você se esclarece e esclarece acerca da sexualidade para poder trabalhar”.

A professora de Educação Infantil, Claudinea Angélica dos Santos, lembra que já passou por situações em que teve que usar a didática de como trabalhar a sexualidade com crianças. Claudinea conta que, já teve um aluno que afirmava que os pais namoravam “pelados no sofá”. Segundo a professora, a criança convidava os amiguinhos para copiar o ato dos pais. “Nós tivemos que conversar com a criança, e explicar a ela o funcionamento do corpo humano. Com isso podemos trabalhar o desenvolvimento do corpo através dos anos e o porque é importante o ato sexual”, lembra a professora. “A criança aprendeu que ela é muito nova para isso, além de orientar os pais para que quando quisessem fazer isso, que realizem no quarto”.

A professora lembra que apesar de todo o preparo recebido pelo professor, há situações que é difícil esboçar qualquer reação. “Já peguei duas crianças do mesmo sexo praticando sexo oral no banheiro”, relembra a professora. “Essa situação me pegou de surpresa, mas somente conversei com as crianças e solicitei para que não entrassem juntas no banheiro”.

Segundo Letícia Figueiró, o importante é tratar o fato com naturalidade. A psicóloga lembra que desde que a professora não tenha feito “caras e bocas” no sentido de reprovação dos meninos, a maneira com que a professora agiu foi adequada.

“Nessa idade é comum crianças brincarem de ‘troca-troca’, ‘papai e mamãe’ e outras brincadeiras desse tipo. Essas experiências são normais e não significa que a criança venha a se tornar um homossexual futuramente”, comenta. “É importante que a professora reflita sobre o porque disso ter acontecido e ela não saber como reagir”.

A imagem utilizada nesta matéria foi retirada de http://oglobo.globo.com

Este texto foi originalmente produzido para a disciplina de 'Técnicas de redação pesquisa e reportagem jornalística 4 ", do curso de Jornalismo da UNOPAR (Unievrsidade Norte do Paraná)

Um comentário:

Anônimo disse...

É louvável que tenhamos pessoas que se preocupam em lidar com temáticas tão importantes e que ainda são um tabu na sociedade "moderna". O texto foi muito bem elaborado e é de uma importância ímpar. A sexualidade e as opções sexuais - que muitas vezes são incompreendidas pelos cidadãos conservadores e moralistas - são temas que precisam ser colocados em evidência para que possamos criar em nossa sociedade atual um maior esclarecimento e uma desmistificação tanto com relação a sexualidade na infância e principalmente na idade adulta.